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Capa do disco Realce de Gilberto Gil. |
"De repente eu ouvi uma zuada: era Caetano chegando da rua, falando muito, entusiasmado. Tinha assistido o filme Super-homem. Falava na sala com as pessoas, entre elas a Dedé [Dedé Veloso, mulher de Caetano à época]; eu fiquei curioso e me juntei ao grupo. Caetano estava empolgado com aquele momento lindo do filme, em que a namorada do Super-homem morre no acidente de trem e ele volta o movimento de rotação da Terra para poder voltar o tempo para salvar a namorada. Com aquela capacidade extraordinária do Caetano de narrar um filme com todos os detalhes, você vê melhor o filme ouvindo a narrativa dele do que vendo o filme... Então eu vi o filme. Conversa vai, conversa vem, fomos dormir.
"Mas eu não dormi. Estava impregnado da imagem do Superhomem fazendo a Terra voltar por causa da mulher. Com essa idéia fixa na cabeça, levantei, acendi a luz, peguei o violão, o caderno, e comecei. Uma hora depois a canção estava lá, completa."
"Mas eu não dormi. Estava impregnado da imagem do Superhomem fazendo a Terra voltar por causa da mulher. Com essa idéia fixa na cabeça, levantei, acendi a luz, peguei o violão, o caderno, e comecei. Uma hora depois a canção estava lá, completa."
É interessante ver que essa música tenha surgido a partir de uma inspiração do personagem Super-homem das histórias em quadrinhos. Sobre o suposto conteúdo de revelação sexual, Gil escreve (referência 2):
"Sobre a 'porção mulher' - Muita gente confundia essa música como apologia ao homossexualismo, e ela é o contrário. O que ela tem, de certa forma, é sem dúvida uma insinuação de androginia, um tema que me interessava muito na ocasião - me interessava revelar esse embricamento entre homem e mulher, o feminino como complementação do masculino e vice-versa, masculino e feminino como duas qualidades essenciais ao ser humano."
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Carl Jung |
Há de se esperar, dessa forma, que dotados dessa dualidade, busquemos o equilíbrio entre essas duas entidades psíquicas. No caso da música do Gil, entendo que o eu lírico vive uma situação de vislumbramento ao se dar conta da existência da amina e de como a sua vida melhora a partir da consciência da atuação desse componente psíquico.
Além de falar da amina, outro componente Jungiano presente na letra do Gil é o arquétipo do mito do heroi. Para Jung, esse é um arquétipo presente no inconsciente coletivo e a prova disso é a existência de inúmeras histórias, mitos, lendas contadas em diversas sociedades distintas e em eras igualmente diferentes que trazem uma mesma estrutura de enredo. É preciso, antes de mais nada, deixar claro, pelo menos em algumas linhas, do que se trata esse inconsciente coletivo. Para Jung, além do inconsciente pessoal (tal como o que foi descrito na Psicanálise Freudiana), nossa psique seria dotada do inconsciente coletivo. Esse inconsciente está carregado de arquétipos (ou imagens, símbolos, conceitos, modelos) armazenados pelo ser humano desde o início dos tempos. É como se cada indivíduo compartilhasse uma parte em comum da sua psique, referente às memórias do ser humano sujeitas ao processo de evolução, simplesmente como algo inerente à nossa espécie.
Dito isso, as semelhanças entre o mito do heroi em várias lendas, mitos, ou histórias em geral, desde Sansão (heroi bíblico) até o Super-homem (das histórias em quadrinho), demonstra como esse arquétipo está presente na nossa psique (especificamente no inconsciente coletivo).
Em "Super-homem, a canção", Gil descreve o mito do heroi e parte da sua significação quando escreve:
"Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher"
Nesses versos, Gil fala da ação do super-homem ao resgatar a donzela em perigo, como acontece no filme desse super-heroi. O ato de salvar a donzela simboliza, no mito do heroi, a libertação da amina como componente íntimo da psique (referência 3). Desse modo, poder-se-ia interpretar essa passagem da música da seguinte forma: o super-homem seria o nosso ego, capaz de restituir a totalidade do nosso ser, necessária para a nossa realização (ou para a nossa glória), ao libertar a nossa amina, ou aminus.
Poderia ainda dizer que se Gil não considerou essa visão psicológica Jungiana ao escrever essa letra, o fez baseando-se nos acima citados arquétipos presentes no seu próprio inconsciente, seja ele o pessoal ou o coletivo, o que reforça a teoria de Jung.
Observação: queria deixar claro que não sou psicólogo, portanto, é possível que esse texto contenha alguns erros ou imprecisões nos conceitos psicológicos; o propósito deste texto é apenas o de apresentar uma tentativa de significação sob a luz da teoria de Jung.
REFERÊNCIAS
1. http://gnt.globo.com/programas/papo-de-segunda/materias/gilberto-gil-conta-como-criou-musica-super-homem-inspirado-no-filme-de-1978.htm
2. http://www.gilbertogil.com.br/sec_musica.php?page=5
3. JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 2ª ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2008.